terça-feira, 11 de outubro de 2011

1º Encontro REFLEXÃO












Data e Horário:


Dia 03 de dezembro às 15h00


Tema:


"A relevância do pensamento de Dietrich Bonhoeffer para a igreja evangélica brasileira"


Local e maiores informações:


Comunidade Batista da Grande São Paulo


Rua Abraham Lincoln, 256 - Centro - Guarulhos - SP (Próximo ao Fórum de Guarulhos)


http://josadaquemartins.blogspot.com


http://cbsampa.com.br













Palestrante: Drº. Carlos Caldas



Possui graduação em Teologia pelo Seminário Presbiteriano do Sul (1985), graduação em Letras pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Caratinga (1988), mestrado em Teologia pelo CEM-Centro Evangélico de Missões de Viçosa (1997) e doutorado em Ciências da Religião pela Universidade Metodista de São Paulo (2000), com período de pesquisas na Universidad Biblica Latinoamericana em San José, Costa Rica. Atualmente é professor adjunto I do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Religião da Universidade Presbiteriana Mackenzie. É membro da SOCIEDADE INTERNACIONAL BONHOEFFER Seção Língua Portuguesa Brasil.
















Moderação e Reação: Josadaque Martins



Bacharel em Teologia pelo CUTS-Cohen University&Theological Seminary, Torrance, CA, EUA (2005). Bacharel e Licenciado em Filosofia pela UNIFESP-Universidade Federal de São Paulo (2010). É membro da SOCIEDADE INTERNACIONAL BONHOEFFER Seção Língua Portuguesa Brasil. É professor de História da Teologia e Religiões Mundiais no Seminário Teológico Batista do Sudeste do Brasil em Guarulhos-SP. Pastor da Primeira Igreja Batista do Jardim Jacy em Guarulhos-SP. Idealizador do Grupo de Estudos REFLEXÃO.

segunda-feira, 26 de setembro de 2011

O QUE É A VERDADE?


















Josadaque Martins Silva[1]


Certa ocasião, um aluno do Seminário Teológico Batista do Sudeste do Brasil onde leciono, me perguntou: “Professor, o que Pilatos queria saber quando perguntou para Jesus: o que é a verdade?” Confesso que fiquei pensando uma semana para responder a pergunta, li e reli o texto de João 18. 28-38 sucessivas vezes, buscando também em comentadores renomados alguma explicação. Todavia, antes desta pergunta de Pilatos, há um enredo anterior. Primeiramente, ante as acusações do povo e dos chefes dos sacerdotes, Pilatos pergunta a Jesus: "Que é que você fez?" (João 18. 35 NVI). E responde Jesus: "O meu Reino não é deste mundo. Se fosse, os meus servos lutariam para impedir que os judeus me prendessem. Mas agora o meu Reino não é daqui" (João 18. 36 NVI). Pilatos queria saber o que de fato Jesus fizera para receber a acusação do povo e dos chefes dos sacerdotes. Ou seja, Pilatos queria saber o que Jesus fez de tão grave para ser acusado de rebeldia pelo povo. Por isso, Pilatos pergunta a Jesus: “O que você fez?” Porém, Pilatos não entendeu que o problema de Jesus não foi o que Ele fez, mas a sua opção de vida. E qual foi a opção de vida de Jesus? Jesus fez uma opção não pelo mundo e suas estruturas econômicas e sociais exploradoras, mas sim uma opção pelas pessoas do mundo. Jesus opta em viver para as pessoas. E foi esta a opção que Jesus fez: optou em viver para os outros. Segundo o teólogo Leonardo Boff, Jesus fez uma “opção libertária a partir de sua relação com o Deus da vida que sempre escuta o grito dos excluídos e oprimidos[2]. Aliás, Deus é um Deus que sempre escuta o grito dos oprimidos, e como Jesus é Deus, Ele optou por escutar o grito dos oprimidos, vivendo para a libertação dos cativos. Por isso, Jesus disse que seu reino não era deste mundo. Ou seja, Jesus afirma que possui um reino, porém não trata-se de um reino terreno e transitório, e sim um reino de Justiça e Paz.


Segundo o teólogo Paul Tillich, a mensagem original de Jesus era a vinda do reino de Deus[3]. Aliás, a idéia de reino de Deus permeia todo o ensino de Jesus. Conforme Tillich, o “Reino queria dizer o estado em que Deus e o indivíduo se encontram numa relação de perdão, aceitação e amor[4]. E é Jesus quem instaura o reino de Deus na história através da sua missão e ressurreição. Mas, o que significa de fato o reino de Deus? O reino de Deus é a sinalização e o estabelecimento de um reino de justiça, misericórdia, paz e igualdade aqui na terra. Conforme Leonardo Boff, o reino de Deus implica “uma revolução em todas as relações; não apenas entre Deus e os seres humanos, mas também na sociedade”[5]. Portanto, o reino de Deus é uma revolução de justiça numa sociedade marcada por injustiças. O reino de Deus é a revolução de Deus na vida dos oprimidos. O reino de Deus é a revolução de Deus na história da humanidade. Por isso, o reino de Deus é Jesus pondo-se na história em favor dos pobres e oprimidos. Assim, o reino de Deus é a igreja lutando em prol dos pobres e oprimidos, sinalizando e estabelecendo a justiça numa sociedade marcada pela exploração econômica, social e religiosa do ser humano. Neste sentido, se o reino de Deus significa Deus pondo-se na história em favor dos pobres e oprimidos, então, Deus é o Deus dos pobres. Por essa razão, o reino de Deus é a opção de Deus pelos pobres. O reino de Deus é Deus deixando a sua glória nos céus, e descendo a terra para libertar os cativos e oprimidos. O reino de Deus é Deus fazendo justiça no mundo.


E esse reino de Justiça não é mantido por força econômica ou militar, mas sim pelo amor ao próximo. Ou seja, é o amor que move o reino de Deus, e não os interesses econômicos. O estabelecimento do reino de Deus na terra se dá pelo amor, pois o reino de Deus é Deus amando o mundo de tal maneira (João 3. 16), e esvaindo a si mesmo, tomando a forma de servo (Filipenses 2. 5-8) para morar com os homens na terra. O reino de Deus é uma revolução de amor, é Deus sentindo a dor do oprimido, libertando-o de toda opressão e exploração. Por essa razão, a idéia de reino de Deus como proposto por Jesus instiga medo nos "poderosos", pois trata-se de um reino subversivo e revolucionário que rompe com toda sorte de exploração econômica, política, social e religiosa. Em vista disso, de forma sarcástica, Pilatos diz a Jesus: "Então, você é rei!" (João 18. 37 NVI). Jesus responde: "Tu dizes que sou rei. De fato, por esta razão nasci e para isto vim ao mundo: para testemunhar da verdade. Todos os que são da verdade me ouvem" (João 18. 37 NVI). Então, pergunta Pilatos: "Que é a verdade?" (João 18. 38a NVI). Pois bem, a pergunta de Pilatos tem um tom irônico, pois ele não aguarda a resposta de Jesus e o entrega à morte e se exime de qualquer responsabilidade lavando as mãos. De fato, a atitude de Pilatos é a atitude do mundo e suas estruturas exploradoras que nunca vão querer saber a verdade, pois a mentira sempre justifica a exploração. Então, o que Pilatos queria saber quando perguntou para Jesus: o que é a verdade? Nada, pois os que exploram de nada querem saber, nem sequer da verdade. Os que exploram só tem compromisso com a mentira e a demagogia.


No entanto, ao contrário dos exploradores, Jesus tem um compromisso com a verdade e, por isso, afirma o que é a verdade. Então, o que é a verdade? Jesus responde: “A verdade é o reino de Deus; a verdade é a opção pelos pobres e oprimidos”. A verdade é estar ao lado daqueles que são vítimas da injustiça social. A verdade é a opção de viver para a libertação dos cativos e oprimidos. Neste aspecto, a opção pelos oprimidos define a identidade da igreja e a sua verdade. Ou seja, a igreja não é uma estrutura eclesiástica que possui uma verdade dogmática "absoluta" e inoperante. Pelo contrário, a igreja é Deus agindo no mundo em prol dos oprimidos. E esta é a verdade: Cristo pondo-se no mundo em prol dos fracos, marginalizados e oprimidos para lhes conceder dignidade humana. A verdade é o compromisso de Cristo com os pobres e oprimidos. A verdade é Jesus de Nazaré libertando os cativos, pois a verdade liberta (João 8. 32).


NOTAS


[1]É Bacharel em Teologia pelo CUTS-Cohen University&Theological Seminary, Torrance, CA, EUA (2005). Bacharel e Licenciado em Filosofia pela UNIFESP-Universidade Federal de São Paulo (2010). É membro efetivo da SOCIEDADE INTERNACIONAL BONHOEFFER Seção Língua Portuguesa Brasil. Autor do livro "A Missão do Cristão no Mundo: O crente sendo sal e luz num mundo corrompido" publicado em 2007 pela KMP Editorial. É professor de História da Teologia e Filosofia da Religião no Seminário Teológico Batista do Sudeste do Brasil em Guarulhos-SP. É pastor da Primeira Igreja Batista no Jardim Jacy em Guarulhos-SP. Integra como aluno pesquisador o Grupo de Pesquisa de História da Filosofia Antiga e Medieval da UNIFESP-Universidade Federal de São Paulo. Sua linha de pesquisa acadêmica concentra-se na História do Pensamento Patrístico e na História da Teologia Contemporânea, atuando principalmente nos seguintes temas: patrística latina, filosofia cristã, filosofia medieval latina, Santo Agostinho, Dietrich Bonhoeffer e Paul Tillich.


[2]BOFF, Leonardo. Quarenta anos da Teologia da Libertação. In: Blog Wordpress de Leonardo Boff, 2011. Disponível em: http://leonardoboff.wordpress.com/2011/08/09/quarenta-anos-da-teologia-da-libertacao/. Acesso em: 25 set. 2011.


[3]Cf. TILLICH, Paul. Perspectivas da Teologia Protestante nos séculos XIX e XX, p. 209.


[4]Idem, ibidem.


[5]BOFF, Leonardo. Quarenta anos da Teologia da Libertação. In: Blog Wordpress de Leonardo Boff, 2011. Disponível em: http://leonardoboff.wordpress.com/2011/08/09/quarenta-anos-da-teologia-da-libertacao/. Acesso em: 25 set. 2011.


BIBLIOGRAFIA


Bíblia de Estudo NVI. Tradução das Notas de Gordon Chown. São Paulo: Vida, 2003.


BOFF, Leonardo. Quarenta anos da Teologia da Libertação. In: Blog Wordpress de Leonardo Boff, 2011. Disponível em: http://leonardoboff.wordpress.com/2011/08/09/quarenta-anos-da-teologia-da-libertacao/. Acesso em: 25 set. 2011.


TILLICH, Paul. Perspectivas da Teologia Protestante nos séculos XIX e XX. Trad. de Jaci Maraschin. São Paulo: ASTE, 1986.

sexta-feira, 26 de agosto de 2011

VI Café Teológico da PIB Jardim Jacy

















Tema: "O problema do mal em Santo Agostinho"


Data: 25 de setembro de 2011


Horário: 09h00


Local: Primeira Igreja Batista do Jardim Jacy


Endereço: Rua Rio Pardo - Nº. 706 - Jardim Jacy - Guarulhos - SP


















Palestrante:

Josadaque Martins Silva

Bacharel em Teologia (B. Th) pelo Cohen University&Theological Seminary (Torrance, CA, EUA). Bacharel e Licenciado em Filosofia pela UNIFESP-Universidade Federal de São Paulo. É membro efetivo da SOCIEDADE INTERNACIONAL BONHOEFFER Seção Língua Portuguesa Brasil. Integra como aluno pesquisador o Grupo de Pesquisa de História da Filosofia Antiga e Medieval da Universidade Federal de São Paulo. Professor de História da Teologia e Religiões Mundiais no Seminário Teológico Batista do Sudeste do Brasil em Guarulhos-SP. Pastor da Primeira Igreja Batista do Jardim Jacy em Guarulhos-SP. Autor do livro "A Missão do Cristão no Mundo: o crente sendo sal e luz num mundo corrompido", publicado pela KMP Editorial.




sábado, 2 de julho de 2011













ONDE ESTÁ JOSÉ? A DIMENSÃO COMUNITÁRIA DA FÉ CRISTÃ – FÉ COMUNITÁRIA E AÇÃO LIBERTADORA[1]


Josadaque Martins Silva[2]


Vocês bebem vinho em grandes taças e se ungem com os mais finos óleos, mas não se entristecem com a ruína de José”. (Amós 6. 6)

Procurar-se-á por meio deste texto expor certas direções para um estudo da dimensão comunitária da fé cristã ressaltando que, a fé cristã é fé comunitária e ação libertadora. Expor-se-á que a essência de uma religião dita cristã é a fé comunitária e a ação libertadora no mundo. Será exposto também que a medida que se perde a sua origem essencial que é comunitária e libertadora, a religião é instrumentalizada, tornando-se um instrumento para justificar toda sorte de opressão eclesiástica, política e social. E ao ser instrumentalizada, a religião instaura em seu interior o individualismo, perdendo assim o amor pelo outro. Neste sentido, o problema da religião não é ela ser religião, mas tornar-se individualista, pois a medida que tornar-se individualista torna-se também exclusivista, dona da “verdade” e exploradora. E mais, ao desembocar no individualismo, a religião passa a cometer crimes, tornando-se criminosa. Em vista disso, pretendo ressaltar neste texto que, o individualismo é um crime, pois é uma violação da justiça; e sendo uma violação da justiça, o individualismo se constitui num crime contra o próximo. Será destacado também que, a religião individualista sempre presta um “culto” hipócrita a Deus, pois o que se vivencia nos santuários não é a vivência do cotidiano. Por essa razão, pretendo salientar no que consiste a verdadeira liturgia cristã, asseverando que a liturgia cristã é ação libertadora, onde ocorre o encontro comunitário com o Deus da libertação, que exige a prática da justiça. E, para tanto, o texto terá como ponto de partida o livro de Amós, especificamente o trecho de Amós 6. 1-6. E neste texto analítico, contarei com o aporte teórico de comentadores como Euclides Balancin, Ivo Storniolo, Bruno Forte e Júlio Cézar Adam.

Primeiramente, é imprescindível expor quem foi Amós, e em que contexto histórico e social desenvolveu o seu ministério profético. Em meados do séc. VIII a. C., pelo ano 760, um homem chamado Amós foi chamado por Deus. Ele deixou, então, “sua vida no sul (Reino de Judá) e foi anunciar e denunciar no norte (reino de Israel), no tempo do rei Jeroboão II (Am 1. 1)[3]. Amós desenvolveu seu ministério profético nos reinados de Uzias, rei de Judá (792-740 a. C.) e de Jeroboão II, rei de Israel (793-753 a. C.).

Mas, quem era Amós? O livro ressalta que Amós era natural de Tecoa[4], cidade a cerca de 10 km ao sul de Belém, distando quase 18 km de Jerusalém. Amós não era um homem de corte, como Isaías, nem sacerdote, como Jeremias[5]. Ao contrário, o livro destaca que, Amós era “criador de ovelhas em Tecoa[6] no reino de Judá, e também cultivador de sicômoros[7]. Conforme Balancin e Storniolo,

à primeira vista, pensaríamos que Amós fosse um grande proprietário e que sua atividade profética pudesse ser em defesa de seus interesses de proprietário. Todavia, podemos pensar, e talvez com mais acerto, que Amós fosse uma pessoa pobre, com vários empregos a serviço de outros para sobreviver: ora trabalhava como pastor, ora como vaqueiro, ora como agricultor, dependendo dos ‘bicos’ que conseguia. Lembraria hoje o bóia-fria que vive das oportunidades passageiras de trabalho[8].



Em vista disso, a palavra de Amós contra o reino do Norte tem um sentido crítico, pois "torna-se denúncia de uma situação que gera a injustiça social e a pobreza do povo" [9].

E qual era a situação do Reino do Norte no tempo de Amós? No período do reinado de Jeroboão II, o Reino do Norte conheceu uma fase de grande crescimento econômico. Ou seja, o reino do Norte vivenciou no tempo de Jeroboão II um período de “milagre econômico”, com a recuperação de territórios perdidos, uma fase de grande prosperidade, com muitas e luxuosas construções, aumento de recursos agrícolas, progresso da indústria têxtil e tinturaria[10]. Aliás, o livro de Amós confirma esse período de “milagre econômico”, todavia, também “acompanhado de injustiças e contrastes sociais, corrupção do direito e fraude no comércio[11]. E a religião neste contexto de injustiça social? A religião no reino do Norte “servia para tranqüilizar a consciência da classe dominante, fomentando o sentimento de superioridade em relação a outros povos[12], sendo justificativa para o sistema de injustiça social. Conforme Balancin e Storniolo, no reino do Norte “a aliança com Deus tornou-se letra morta, celebrada no culto, mas sem qualquer influência na vida diária[13]. E aliança com Deus celebrada apenas no culto, mas sem influência na vida diária não é aliança, mas barganha com Deus.

É neste contexto de injustiças e contrastes sociais que Amós começa a profetizar. Amós não somente denuncia a situação de injustiça social, mas, sobretudo, critica a religião praticada no reino do Norte. Conforme Balancin e Storniolo, “Amós denuncia uma religião que é mera fachada para a injustiça e que acoberta um sistema iníquo, já viciado pela raiz[14]. Por isso, frente a toda essa situação política e religiosa, Amós exclama: “Eu quero é ver brotar o direito como água e correr a justiça como riacho que não seca[15]. Mas, por qual motivo Amós critica a religião praticada no Reino do Norte? O motivo é que a religião no Reino do Norte perdeu a sua origem essencial que é comunitária e libertadora. E ao perder a sua essência comunitária e libertadora, a religião no Reino do Norte foi instrumentalizada, ou seja, tornou-se um instrumento para justificar o sistema de injustiças e desigualdades sociais. Assim, a crítica de Amós não é em relação à religião em si, mas ao fato de ela ter perdido a sua origem que é essencialmente comunitária e libertadora, para tornar-se um instrumento que justificava o sistema opressor.

E quando uma religião é instrumentalizada, ela coisifica as pessoas e as transforma em massa de manobra. Quando uma religião é instrumentalizada, ela deixa de ter um cabeça - Cristo - para ter um dono, sendo a igreja uma propriedade do pastor, do diácono, da família fundadora, menos de Deus. Aliás, ao denunciar no santuário de Betel as injustiças sociais cometidas pelo poder político e justificadas pela religião, Amós é acusado pelo sacerdote Amazias de estar maquinando uma revolução contra o rei.. O próprio sacerdote Amazias se encarrega de expulsar o profeta Amós do reino, vociferando: "Vidente, vá embora daqui. Retire-se para a terra de Judá. Vá ganhar a sua vida fazendo lá suas profecias. Não me venha mais fazer profecias em Betel, pois isso aqui é o santuário do rei, e é templo do reino"[16]. As palavras do sacerdote Amazias são taxativas: o santuário tem dono, pois o lugar é "do rei e é templo do reino"[17]. Ou seja, "a religião que se pratica deve estar de acordo com a vontade e a política do rei; tentar contradizer essa união se torna um crime político e, ao mesmo tempo, uma apostasia"[18]. Quando uma religião é instrumentalizada, a vontade que prevalece não é a de Deus, mas a do dono da religião. Quando uma religião é instrumentalizada, ela deixa de ser um corpo vivo para ser uma estrutura mecânica.


Quando uma religião é instrumentalizada, os cultos, os louvores e as pregações tornam-se meios para a exploração da vida humana. Quando uma religião é instrumentalizada, as pessoas deixam de amar a Deus acima de todas as coisas e ao próximo como a si mesmo, para amarem suas coisas acima de qualquer coisa. Quando uma religião é instrumentalizada, a instituição religiosa e sua estrutura tornam-se mais importantes que as pessoas. Quando uma religião é instrumentalizada, ela deixa de ser agente de libertação para ser força brutal de escravização. Quando uma religião é instrumentalizada, ela perde o senso de comunidade e instaura em seu interior a estrutura de classes e privilégios onde não há unidade na diversidade, e sim um diverso radicalmente dividido e classificado por ordem social (classe A, B, C, D, E; crente A, B, C, D, E, F). E quando se perde o senso de comunidade instaura-se o individualismo; e com o individualismo perde-se o amor pelo outro, instaurando-se a exploração do outro por interesse mercantilista, pois o outro torna-se coisa, objeto de exploração. E a religião que cai no individualismo passa a cometer crimes, torna-se criminosa.


Esse foi o problema da religião no Reino do Norte, ela tornou-se individualista. E o grande problema da religião não é ela ser religião, mas tornar-se individualista, pois a medida que torna-se individualista torna-se também exclusivista, dona da “verdade” e exploradora. Portanto, ao tornar-se individualista, a religião no Reino do Norte passou a cometer crimes, tornou-se criminosa. E, para Amós, os crimes cometidos por aqueles que se denominam “seguidores de Deus” tem um teor de gravidade ainda maior, pois “é muito pior o erro daqueles que dizem conhecer a Deus, mas acabam servindo-se de Deus para realizar impunemente seus crimes e explorações[19]. Dessa forma, a religião praticada no Reino do Norte é criminosa porque é individualista.

E o individualismo é perigoso, pois gera egoísmo, gera a umbigolatria, gera vida voltada para os seus próprios interesses. E o que é o egoísmo? O egoísmo é uma paixão louca por nós mesmos. Aristóteles disse que, “o egoísmo não é o amor por nós próprios, mas uma desvairada paixão por nós próprios”. E essa paixão desvairada por nós mesmos gera descontroles e, conseqüentemente, problemas na sociedade. Uma vez o nosso irmão Dalai Lama disse: “O egoísmo causa a ignorância, a cólera e o descontrole, que são a origem dos problemas do mundo”. E tais problemas surgem na sociedade como a injustiça social, pois o individualismo se constitui uma violação da justiça; e sendo uma violação da justiça, o individualismo se constitui num crime contra o outro.

Amós deixa claro que, o individualismo é a violação da justiça e, portanto, um crime. Em vista disso, Amós elenca os sete crimes que Israel estava cometendo, ressaltando a forma como um individualista se comporta. E o importante é que todos esses sete crimes dizem respeito à violação da justiça (Am 2. 6-8). Vejamos quais são esses sete crimes, conforme o texto de Amós 2. 6-8 e a paráfrase de Balancin e Storniolo:

1. vendem justo por dinheiro”: desprezo pela pessoa do devedor;


2. vendem o necessitado por um par de sandálias”: escravidão por dívidas ridículas;


3. pisoteiam os fracos no chão”: humilhação e opressão dos que não tem meios para se defender;


4. desviam o caminho dos pobres”: falsificação do anseio pela justiça;


5. pai e filho dormem com a mesma jovem”: abuso dos fracos;


6. diante de todos os altares eles se deitam sobre roupas penhoradas”: falta de misericórdia na questão dos empréstimos;


7. no templo do seu deus bebem o vinho de juros”: uso indevido dos impostos e multas.



Quais são os criminosos e quais são as vítimas aqui? Amós deixa claro quais são os criminosos: os criminosos “são aqueles que se consideram povo de Deus e até ousam usar o nome de Deus para encobrir sua injustiça[20]. Amós também deixa claro quais são as vítimas: “o justo, o necessitado, o fraco, o pobre, a jovem[21], a vítima é o próprio Deus, pois o homem foi feito à sua imagem e semelhança; por isso, quando se vitima o ser humano, se vitima o próprio Deus. A vítima de toda essa exploração é José. Amós destaca que, os criminosos bebem vinho em grandes taças, moram em grandes mansões, ricamente decoradas e mobiliadas, festejam com as melhores comidas e bedidas, em meio aos perfumes e à música, e deitam em camas de marfim (Am 6. 1-6). Mas, enquanto os criminosos usufruem de uma vida luxuosa, cheia de prazeres e banquetes, diz o profeta Amós que José é explorado e arruinado. Por isso, Amós exclama: “Vocês bebem vinho em grandes taças e se ungem com os mais finos óleos, mas não se entristecem com a ruína de José[22]. E quem é José? Aqui José é um símbolo dos pobres e oprimidos de todo o Reino do Norte. Aqui José é um símbolo daquele José do Egito que foi vendido por seus irmãos, tornando-se escravo e prisioneiro, sendo injustiçado e violado em seus direitos.

Mas, enquanto os criminosos estão em suas mansões, em suas camas de marfim, comendo os melhores cordeiros, bebendo os melhores vinhos, tendo o “melhor da vida”. Onde está José? José é um objeto; José não é visto; José está no chão sendo pisoteado; José está com suas roupas sujas e rasgadas; José está com fome; José está com frio; José com sede; José está sendo negociado como escravo por um par de sandálias; José está sendo enganado; José está sendo humilhado e oprimido. Amós enxerga nesta situação de exploração de José jargões que não mudaram. No Reino do Norte, os criminosos se gabavam de ter o “melhor” desta vida, hoje algumas igrejas dizem: “Deus tem o melhor desta terra pra você”. Mas, e José? O que se faz com ele? Ah, deixa ele lá fora do templo, ele está sujo e é problemático; José é para ser pisado mesmo; José está assim porque quer, José está assim porque não tem fé, ou está em pecado ou tem encosto. Se José quiser prosperar é só ele determinar e Deus vai abençoá-lo. Aquela triste idéia de que fé comunitária se vivencia apenas no templo, e não no chão da vida.

O mais grave é que, quem não enxerga o outro sempre se comporta de forma hipócrita, e cultua a Deus de forma hipócrita também. Em vista disso, Amós denuncia a prática cultual que se desenvolvia no reino do Norte (Israel) nos santuários de Betel e Gilgal, pois entendeu que era uma prática cultual individualista onde o cerne era o “eu” e não o “nós”; e por ser uma prática cultual individualista, o culto praticado no reino do Norte era hipócrita, constituindo-se num pecado. É por isso, que Amós salienta que esse culto, acompanhado de sacrifícios, dízimos, ofertas, são, na verdade, pecados (Am 4. 4-5). Em outras palavras, o culto praticado no reino do Norte serve apenas para mascarar e justificar a prática da injustiça social. É o denominado pecado “das pessoas de ‘boa consciência’, que costumam separar a religião da vida cotidiana, como se Deus ocupasse um compartimento separado de todo o resto da casa[23]. Consoante Balancin e Storniolo, “pode-se até mesmo dizer que a finalidade desse culto é tapear e subornar a Deus[24]. Aquela postura muito comum de alguns “crentes” na atualidade: “Olha Deus, não estou vendo José, não me importo com ele, mas eu te amo Deus, está aqui meu sacrifício, meu louvor, meu dízimo, minha oferta, não falto um culto sequer!” Mas, que se dane José!

Em Am 5. 4-7, o profeta Amós mostra que os santuários tradicionais (Betel, Gilgal e Berseba) deixaram de ser o lugar do verdadeiro culto a Deus, pois não são mais lugares de encontro comunitário com o Deus da libertação, que exige em primeiro lugar a prática justiça[25]. E tais santuários (Betel, Gilgal e Berseba) deixaram de ser o lugar do verdadeiro culto a Deus, pois esses santuários são freqüentados pelos que “transformam o direito em veneno e atiram a justiça por terra[26]. Fica claro que ao perderem o senso de comunidade, instaurando o individualismo em seu interior, os freqüentadores dos santuários de Betel, Gilgal e Berseba esqueceram que a liturgia do culto é a força propulsora que nos abastece na luta pela libertação do outro, aliás, o culto não é o lugar para obter prosperidade, nunca foi. Eles se esqueceram que o culto é o movimento de resistência de uma comunidade a toda sorte de injustiça social. Na verdade, eles se esqueceram que a liturgia é o espelho da prática política de uma comunidade dita cristã.

Mas, é isto que ocorre quando uma religião perde o senso de comunidade e cai no individualismo, as pessoas esquecem que o culto é uma expressão que nos mobiliza a fazer algo em favor do próximo e algo para mudar o mundo. Quando a religião perde o senso de comunidade e cai no individualismo, as pessoas esquecem que os elementos da liturgia (oração, louvores, pregação) nos põem em ação em favor do outro; esquecem também que o culto é a resistência da comunidade ao sistema de injustiças sociais. O teólogo e pastor luterano Júlio Cézar Adam, professor de Culto e Liturgia na Escola Superior de Teologia da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil de São Leopoldo-RS, ressaltou em sua tese de doutorado defendida na Universidade de Hamburgo na Alemanha em 2004, tese esta intitulada “Romeiros da terra em sua busca por espaço e vida”, que o culto nos mobiliza a agir em favor do outro, sendo o culto a resistência de uma comunidade a perpetuação da injustiça na sociedade. Neste aspecto, há uma relação entre culto e resistência política, pois o culto não é um ritual formal, mas a atuação de uma irmandade na vida social de sua comunidade. E para defender esta tese, Júlio Cézar Adam, tomou, para tanto, um caso concreto, onde a relação culto e resistência política já estava dada: a Romaria da Terra.

Esta forma de celebração, chamada a princípio Missão da Terra, surge no ano de 1978 no Rio Grande do Sul, como uma celebração em memória aos índios da região. Conforme Adam, “a Romaria da Terra nasceu nos anos da ditadura militar brasileira (1964-85), na região sul do Brasil, relacionada diretamente à então nascente Teologia da Libertação e direcionada contra a injustiça social no campo[27]. Assim, a Romaria da Terra “surgiu em apoio aos pobres da terra[28]. Em pouco tempo outros grupos ligados a nascente luta pela terra no Brasil se agregam à celebração: posseiros, atingidos por barragens, sem-terras, pequenos agricultores, cooperativas e sindicatos, remanescentes de quilombos[29]. A então chamada Romaria da Terra espalha-se por todo o país como uma celebração dos, por assim dizer, pobres da terra. Já logo após seu nascimento passa a ser assumida e coordenada pela então, em 1975 criada, Comissão Pastoral da Terra (CPT)[30].

Desde o início a Romaria da Terra caracteriza-se por uma mistura de elementos religiosos (procissão e peregrinação) e elementos políticos (passeata e manifestações), mantendo sempre diferenças regionais. Conforme Adam, a Romaria da Terra é “uma mistura de elementos das romarias tradicionais, passeatas de protesto e novas formas de espiritualidade em torno das comunidades de base (CEBs), todas marcadas, mais ou menos, pela união de dois pólos: a fé e a política[31]. Reúnem entre 5 mil a 70 mil pessoas[32], geralmente duram um dia, sendo que algumas romarias já duraram até 3 semanas[33]. Seus temas são impulsionados por questões e problemas locais. A celebração se estrutura em 3 grandes partes: liturgia de abertura, a procissão ou caminhada e a festa da partilha ou de encerramento[34].

Na liturgia de abertura, basicamente estão presentes os seguintes elementos:

café da manhã; abertura da romaria e saudação dos romeiros e comunidades; rito de ‘saudação da mãe terra’; recepção do símbolo da romaria; memória das romarias passadas; recepção da Bíblia e leitura; recepção da cruz da romaria; momento de protesto – geralmente relacionado ao lugar onde se dá a primeira parte[35].



Na procissão ou caminhada,

os romeiros partem em busca de um outro lugar, parando em várias estações ao longo do caminho para fazer memória histórica e protestar. Durante a caminhada, rezam e cantam. Levam junto consigo a Bíblia e a cruz, símbolos da primeira parte. O caminhão – utilizado como palco na primeira parte – também acompanha a caminhada[36].



E, por fim, a festa da partilha ou de encerramento,

inclui os seguintes elementos: bênção dos alimentos; almoço; plenária para discursos e apresentações artísticas; anúncio das conquistas da luta do povo; leitura bíblica que motiva um momento festivo com muita comida e bebida locais, dança e canto; estabelecimento de um compromisso social; bênção dos romeiros e encerramento[37].



A romaria da terra está, em grande medida, entregue nas mãos de leigos que, tanto organizam a celebração, como se organizam nas comunidades e em grupos para participarem da romaria e a avaliam posteriormente. Como ressalta Adam, “todo o labor litúrgico está nas mãos de não-teólogos ou liturgos, ou seja, a liturgia é concebida, moldada, preparada, dirigida e avaliada em equipes compostas por agentes de pastoral (entre eles teólogos) e pelos próprios participantes[38]. Dessa forma, a liturgia não é exclusivamente para os salvos do Senhor, mas agrega a todos. A liturgia não é para um grupo eleito de crentes, mas para toda a comunidade.

Júlio César Adam declara em sua tese que, a Romaria da Terra não pode ser simplesmente adaptada à realidade do nosso culto dominical, mas ela, na sua dimensão política quer nos motivar, desafiar e ensinar. Com a forma incomum de celebração da Romaria da Terra, aprendemos que resistência não nasce sozinha de dentro da liturgia, mas que resistência é algo que pertence ao todo da comunidade e da vida de um povo ou grupo. Aprendemos também com a Romaria da Terra, conforme César Adam, que a liturgia será sempre o espelho da prática política de sua comunidade, pois na liturgia trazemos nossa prática e dela saímos abastecidos pela palavra e pelo sacramento para continuar a luta de libertação. Conforme Adam, da Romaria da Terra se aprende a força e a beleza que tem a liturgia quando permitimos que o povo celebrante se aproprie dela, não permitindo que a liturgia tenha dono, mas que seja do povo, sendo a liturgia comunitária de verdade.

Aprendemos com a Romaria da Terra, que liturgia se faz com os pés no chão da vida marchando e lutando contra a injustiça. Aprendemos com a Romaria da Terra que os temas de uma liturgia devem ser impulsionados por questões e problemas locais, e não benção e prosperidade, aliás, deve fazer parte de uma liturgia a discussão da violência, tráfico de drogas, prostituição, violência doméstica, fome, sistema de esgoto, saneamento básico, abertura de postos de saúde, educação, saúde, etc. Aprendemos com a Romaria da Terra que a liturgia não é um programa universal mecanizado e absoluto (prelúdio, oração, hinos, oferta, mensagem e poslúdio), mas o jeito de ser de um povo de um lugar. Aprendemos com a Romaria da Terra que a liturgia é espaço de memória, principalmente de memória dos sofridos desta sociedade, e não de memória de mim mesmo, pois memória de mim mesmo é individualismo. Segundo a CPT (Comissão Pastoral da Terra),

depois de escolhido o local da romaria, o primeiro ato para sua preparação é o mutirão da memória, ou seja, recontar, pesquisar, ouvir a memória do lugar. A partir deste mutirão, cria-se todo o resto: os símbolos, textos, cantos, temas, gestos litúrgicos, apresentações, a romaria em si. Memória não tem a ver, aqui, com ‘exercício mental’ e ‘lembrança’, mas sim com a vida integral – corpo, mente e espírito – de pessoas localizadas[39].



E, assim, esta memória “é reconstruída com símbolos, metáforas, cores, cartazes e faixas, danças e cantos, sendo que os próprios participantes, junto com os moradores do lugar, ocupam o palco (apropriam-se da cena) e dizem para os outros e para si mesmos quem são[40]. E conforme Adam é a partir dessa memória que construímos não apenas o que fomos, mas principalmente o que somos. Aprendemos com a Romaria da Terra que a liturgia é uma festa de partilha, uma festa antecipada do Reino de Deus. Com a Romaria da Terra, aprendemos que em meio ao sofrimento da luta, uma das coisas que nosso povo mais sabe fazer é festejar. Conforme Adam, inspirado em Ernst Lange, “na Romaria da Terra vi um povo que brinca de Reino de Deus e isto é tremendo”. Infelizmente, hoje algumas “igrejas” brincam, mas brincam com a consciência dos outros.

Adam conclui a tese ressaltando que, liturgia é movimento de resistência, é festa de partilha. Porém, é festa feita mais com os pés do que com o racional. Neste sentido, liturgia é caminho, passagem, busca e encontro daquilo que nos indigna e daquilo que nos emociona. Neste aspecto, de um culto deveríamos sair não prósperos, mas indignados com toda sorte de injustiça. E em todos estes desdobramentos da liturgia deve residir sua força política libertadora, pois liturgia é libertação do oprimido.

Fica claro no livro de Amós que, o Reino do Norte perdeu a idéia de liturgia como resistência, libertação do oprimido, festa de partilha; perderam a idéia de liturgia como apropriação do povo celebrante, e não como propriedade de um dono; perderam a idéia de liturgia que se faz com os pés no chão da vida, marchando sim, mas marchando contra a injustiça; perderam a idéia de liturgia onde o tema deve ser José e seus problemas sociais, e não os interesses pessoais ávidos por bênçãos e prosperidade; perderam a idéia de liturgia como espaço de memória do sofrido José da sociedade; perderam a idéia de liturgia como doação de vida ao oprimido; perderam a idéia de liturgia como o jeito de ser de um povo, e não como simples ritual mecanizado que se fazia nos santuários de Betel, Gilgal e Berseba.

O que fazer agora diante desta situação? O profeta Amós oferece uma alternativa paradoxal: não procurem Deus nesses santuários, e sim procurem Deus para ter a vida[41]. Amós exclama: “Não busquem Betel, não vão a Gilgal, não façam peregrinação a Berseba. Pois Gilgal certamente irá para o exílio, e Betel será reduzida a nada. Busquem o Senhor e terão vida[42]. E Amós recomenda que se procure Deus para ter vida, e não nos santuários, pois o que Deus deseja não é o ritual das festas, sacrifícios, ofertas, cânticos e músicas (Am 5. 21-25). O que de fato Deus deseja “é ver brotar o direito como água e correr a justiça como riacho que não seca[43].

Assim, a justiça e o direito tornam-se na visão do profeta Amós, o verdadeiro santuário, onde o povo pode viver o compromisso com o Deus da libertação[44], sendo colaboradores de Deus na libertação dos oprimidos. Mesmo porque, o culto deve ser uma ação libertadora, pois fé comunitária é ação libertadora. Aliás, a fé cristã é um existir-para-os-outros que difere de uma simples ideologia, mesmo porque, “enquanto a ideologia é construída sobre a afirmação de si até tornar-se violência contra o outro, a fé não-religiosa leva o cristão a ‘existir-para-os-outros’, em um êxodo de si sem retorno[45]. Na verdade, a liturgia verdadeira é a celebração da vida, pois a justiça não é outra coisa a não ser doar vida aos desesperançados Josés da nossa sociedade. Liturgia deve ser uma fonte de onde corre vida como riacho que não seca. Por isso, um culto se constitui em vidas reunidas doando vida.

Destarte, podemos ver até aqui que o centro de todas as críticas de Amós pode ser resumido num só ponto: a perversão de uma religião que na origem é essencialmente comunitária e libertadora, para transformá-la em instrumento de opressão de José[46]. No seu tempo como vimos, os santuários tinham se transformado em focos de apoio à política opressora e à economia que explorava José. O efeito disso, como podemos ver até hoje, é aquela mentalidade individualista e fatalista do povo que acaba pensando que “Deus quer assim mesmo”, “é vontade de Deus”, “Deus só quer a alma”, etc[47]. No entanto, para o profeta Amós essa mentalidade individualista e antitrasnformadora é o maior crime cometido contra a consciência popular[48]. Por isso, Amós declara aos criminosos que oprimiam José (os pobres) e ao mesmo cultuavam nos santuários com sacrifícios, ofertas, música, que o culto não é um espetáculo onde o centro são os interesses pessoais e não outro.

Vimos que no tempo de Amós, os poderosos tinham uma vida luxuosa, morando em mansões e comendo do melhor. E onde estava José? Estava com fome, frio, sede, com roupas rasgadas, sendo negociado como escravo por um par de sandálias, sendo explorado e injustiçado. Ou seja, José estava fora da liturgia do culto de Israel. Por isso, Amós mostra ao reino do Norte onde José deveria estar. E onde José deve estar? José deve ser o nosso culto, os nossos hinos, os nossos louvores, as nossas pregações, os nossos encontros. José deve ser o alvo da nossa ação libertadora no mundo, pois o culto é doação de vida a quem não tem. José deve ser a memória dos nossos cultos, pois se esquecermos de José, estamos nos esquecendo de Deus. Culto é lugar para se discutir e colocar em prática programas sociais que tragam dignidade humana a José. Liturgia é busca e encontro de José. Liturgia é encontro com José, pois a vida é sempre um encontro com o outro. Culto é encontro com o outro, é um sentar-se à mesa como Jesus fez na noite em que instituiu a ceia, onde o objetivo central foi tomar o pão, dar graças, partir e compartilhar com todos. E encontrar-se com o outro é viver, por isso culto é vida. Aliás, o ser humano se constitui eu no encontro com o outro. Como dizia o filósofo judeu austríaco Martin Buber, “o ser humano se torna eu pela relação com o você, à medida que me torno eu, digo você. Todo viver real é encontro”. Mas, onde José deve estar? O lugar dele é em nossa liturgia, em nosso culto. José deve ser a nossa liturgia, pois a verdadeira religião se indigna frente às injustiças sociais. A igreja não pode se acomodar e nem ser indiferente ante as injustiças que José sofre. Mesmo porque, a igreja está inserida numa comunidade para proporcionar a ela momentos de resistência e libertação de toda sorte de opressão eclesiástica, política e social. Como disse o Leonardo Boff “a igreja está no meio do povo, se relaciona direto com as comunidades e não pode fazer da religião um mero fator de acomodação e de indiferença histórica. Ao contrário, deve proporcionar momentos de indignação, resistência e libertação”. Portanto, que a igreja no nosso tempo se indigne e resista a toda sorte de injustiça cometida contra José.

BIBLIOGRAFIA

ADAM, J. C. Liturgia como prática dos pés: A Romaria da Terra do Paraná: reapropriação de ritos litúrgicos na busca e libertação dos espaços de vida. In: Revista de Estudos Teológicos da Escola Superior de Teologia da Igreja Evangélica de Confisão Luterana do Brasil. São Leopoldo, 42 (3), pp. 52-69, 2002.

BALANCIN, E. M.; STORNIOLO, I. Como ler o livro de Amós. São Paulo: Paulinas, 1991.

Bíblia de Estudo NVI. Tradução das Notas de Gordon Chown. São Paulo: Vida, 2003.

FORTE, B. À escuta do outro: filosofia e revelação. Trad. de Mário José Zambiasi. São Paulo: Paulinas, 2003.

NOTAS

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[1] Mensagem proferida no 1º Aniversário da Comunidade Batista Sampa em Guarulhos, liderada pelo pastor e companheiro Levi Araújo. Dedico esta mensagem ao meu José Martins da Silva, meu pai e guerreiro da justiça, que há três meses acometido de AVC está internado no HMU-Hospital Municipal de Urgências de Guarulhos. O HMU tem sido o meu santuário nesses últimos três meses, onde tenho cultuado ao Eterno juntamente com meu pai.

[2] Bacharel em Teologia (B. Th) pela Cohen University&Theological Seminary (Torrance, CA, EUA). Bacharel e Licenciado em Filosofia pela UNIFESP-Universidade Federal de São Paulo (Campus Guarulhos-SP). É Mestrando em Ciências da Religião na UMESP-Universidade Metodista de São Paulo em São Bernardo do Campo-SP. Pastor da Primeira Igreja Batista do Jardim Jacy em Guarulhos-SP.

[3] BALANCIN, E. M.; STORNIOLO, I. Como ler o livro de Amós: a denúncia da injustiça social, p. 7.

[4] Cf. Amós, 1, 1.

[5] Cf. Bíblia de Estudo NVI. Introdução ao livro de Amós, p. 1508.

[6] Amós, 1, 1.

[7] Cf. Idem, 7, 14.

[8] BALANCIN, E. M.; STORNIOLO, I. op. cit., p. 7.

[9] Idem, ibidem.

[10] Cf. BALANCIN, E. M.; STORNIOLO, I. op. cit., p. 8.

[11] Idem, ibidem.

[12] Idem, ibidem.

[13] Idem, ibidem.

[14] Idem, ibidem.

[15] Cf. Amós, 5, 24.

[16] Cf. Idem, 7, 12-13.

[17] Cf. Idem, ibidem.

[18] BALANCIN, E. M.; STORNIOLO, I. op. cit., p. 29.

[19] BALANCIN, E. M.; STORNIOLO, I. op. cit., p. 19.

[20] Idem, ibidem.

[21] Cf. Idem, ibidem.

[22] Cf. Amós, 6. 6.

[23] BALANCIN, E. M.; STORNIOLO, I. op. cit., p. 24.

[24] Idem, ibidem.

[25] Cf. Idem, ibidem.

[26] Cf. Amós, 5, 7.

[27] ADAM, J. C. Liturgia como prática dos pés: A Romaria da Terra do Paraná: reapropriação de ritos litúrgicos na busca e libertação dos espaços de vida, p. 53.

[28] Cf. Idem, ibidem.

[29] Cf. Idem, ibidem.

[30] Cf. Idem, p. 54.

[31] Cf. Idem, p. 53.

[32] Cf. Idem, p. 56.

[33] Cf. Idem, p. 57.

[34] Cf. Idem, p. 55.

[35] ADAM, J. C. op. cit., p. 55.

[36] Idem, ibidem.

[37] Idem, ibidem.

[38] Idem, ibidem.

[39] ADAM, J. C. op. cit., pp. 62-63.

[40] ADAM, J. C. op. cit., p. 63.

[41] Cf. Amós, 5, 6.

[42] Cf. Idem, 5, 5-6.

[43] Cf. Idem, 5, 24.

[44] Cf. BALANCIN, E. M.; STORNIOLO, I. op. cit., p. 24.

[45] FORTE, B. À escuta do outro: filosofia e revelação, p. 160.

[46] Cf. BALANCIN, E. M.; STORNIOLO, I. op. cit., p. 30.

[47] Cf. Idem, ibidem.

[48] Cf. Idem, ibidem.