segunda-feira, 26 de setembro de 2011

O QUE É A VERDADE?


















Josadaque Martins Silva[1]


Certa ocasião, um aluno do Seminário Teológico Batista do Sudeste do Brasil onde leciono, me perguntou: “Professor, o que Pilatos queria saber quando perguntou para Jesus: o que é a verdade?” Confesso que fiquei pensando uma semana para responder a pergunta, li e reli o texto de João 18. 28-38 sucessivas vezes, buscando também em comentadores renomados alguma explicação. Todavia, antes desta pergunta de Pilatos, há um enredo anterior. Primeiramente, ante as acusações do povo e dos chefes dos sacerdotes, Pilatos pergunta a Jesus: "Que é que você fez?" (João 18. 35 NVI). E responde Jesus: "O meu Reino não é deste mundo. Se fosse, os meus servos lutariam para impedir que os judeus me prendessem. Mas agora o meu Reino não é daqui" (João 18. 36 NVI). Pilatos queria saber o que de fato Jesus fizera para receber a acusação do povo e dos chefes dos sacerdotes. Ou seja, Pilatos queria saber o que Jesus fez de tão grave para ser acusado de rebeldia pelo povo. Por isso, Pilatos pergunta a Jesus: “O que você fez?” Porém, Pilatos não entendeu que o problema de Jesus não foi o que Ele fez, mas a sua opção de vida. E qual foi a opção de vida de Jesus? Jesus fez uma opção não pelo mundo e suas estruturas econômicas e sociais exploradoras, mas sim uma opção pelas pessoas do mundo. Jesus opta em viver para as pessoas. E foi esta a opção que Jesus fez: optou em viver para os outros. Segundo o teólogo Leonardo Boff, Jesus fez uma “opção libertária a partir de sua relação com o Deus da vida que sempre escuta o grito dos excluídos e oprimidos[2]. Aliás, Deus é um Deus que sempre escuta o grito dos oprimidos, e como Jesus é Deus, Ele optou por escutar o grito dos oprimidos, vivendo para a libertação dos cativos. Por isso, Jesus disse que seu reino não era deste mundo. Ou seja, Jesus afirma que possui um reino, porém não trata-se de um reino terreno e transitório, e sim um reino de Justiça e Paz.


Segundo o teólogo Paul Tillich, a mensagem original de Jesus era a vinda do reino de Deus[3]. Aliás, a idéia de reino de Deus permeia todo o ensino de Jesus. Conforme Tillich, o “Reino queria dizer o estado em que Deus e o indivíduo se encontram numa relação de perdão, aceitação e amor[4]. E é Jesus quem instaura o reino de Deus na história através da sua missão e ressurreição. Mas, o que significa de fato o reino de Deus? O reino de Deus é a sinalização e o estabelecimento de um reino de justiça, misericórdia, paz e igualdade aqui na terra. Conforme Leonardo Boff, o reino de Deus implica “uma revolução em todas as relações; não apenas entre Deus e os seres humanos, mas também na sociedade”[5]. Portanto, o reino de Deus é uma revolução de justiça numa sociedade marcada por injustiças. O reino de Deus é a revolução de Deus na vida dos oprimidos. O reino de Deus é a revolução de Deus na história da humanidade. Por isso, o reino de Deus é Jesus pondo-se na história em favor dos pobres e oprimidos. Assim, o reino de Deus é a igreja lutando em prol dos pobres e oprimidos, sinalizando e estabelecendo a justiça numa sociedade marcada pela exploração econômica, social e religiosa do ser humano. Neste sentido, se o reino de Deus significa Deus pondo-se na história em favor dos pobres e oprimidos, então, Deus é o Deus dos pobres. Por essa razão, o reino de Deus é a opção de Deus pelos pobres. O reino de Deus é Deus deixando a sua glória nos céus, e descendo a terra para libertar os cativos e oprimidos. O reino de Deus é Deus fazendo justiça no mundo.


E esse reino de Justiça não é mantido por força econômica ou militar, mas sim pelo amor ao próximo. Ou seja, é o amor que move o reino de Deus, e não os interesses econômicos. O estabelecimento do reino de Deus na terra se dá pelo amor, pois o reino de Deus é Deus amando o mundo de tal maneira (João 3. 16), e esvaindo a si mesmo, tomando a forma de servo (Filipenses 2. 5-8) para morar com os homens na terra. O reino de Deus é uma revolução de amor, é Deus sentindo a dor do oprimido, libertando-o de toda opressão e exploração. Por essa razão, a idéia de reino de Deus como proposto por Jesus instiga medo nos "poderosos", pois trata-se de um reino subversivo e revolucionário que rompe com toda sorte de exploração econômica, política, social e religiosa. Em vista disso, de forma sarcástica, Pilatos diz a Jesus: "Então, você é rei!" (João 18. 37 NVI). Jesus responde: "Tu dizes que sou rei. De fato, por esta razão nasci e para isto vim ao mundo: para testemunhar da verdade. Todos os que são da verdade me ouvem" (João 18. 37 NVI). Então, pergunta Pilatos: "Que é a verdade?" (João 18. 38a NVI). Pois bem, a pergunta de Pilatos tem um tom irônico, pois ele não aguarda a resposta de Jesus e o entrega à morte e se exime de qualquer responsabilidade lavando as mãos. De fato, a atitude de Pilatos é a atitude do mundo e suas estruturas exploradoras que nunca vão querer saber a verdade, pois a mentira sempre justifica a exploração. Então, o que Pilatos queria saber quando perguntou para Jesus: o que é a verdade? Nada, pois os que exploram de nada querem saber, nem sequer da verdade. Os que exploram só tem compromisso com a mentira e a demagogia.


No entanto, ao contrário dos exploradores, Jesus tem um compromisso com a verdade e, por isso, afirma o que é a verdade. Então, o que é a verdade? Jesus responde: “A verdade é o reino de Deus; a verdade é a opção pelos pobres e oprimidos”. A verdade é estar ao lado daqueles que são vítimas da injustiça social. A verdade é a opção de viver para a libertação dos cativos e oprimidos. Neste aspecto, a opção pelos oprimidos define a identidade da igreja e a sua verdade. Ou seja, a igreja não é uma estrutura eclesiástica que possui uma verdade dogmática "absoluta" e inoperante. Pelo contrário, a igreja é Deus agindo no mundo em prol dos oprimidos. E esta é a verdade: Cristo pondo-se no mundo em prol dos fracos, marginalizados e oprimidos para lhes conceder dignidade humana. A verdade é o compromisso de Cristo com os pobres e oprimidos. A verdade é Jesus de Nazaré libertando os cativos, pois a verdade liberta (João 8. 32).


NOTAS


[1]É Bacharel em Teologia pelo CUTS-Cohen University&Theological Seminary, Torrance, CA, EUA (2005). Bacharel e Licenciado em Filosofia pela UNIFESP-Universidade Federal de São Paulo (2010). É membro efetivo da SOCIEDADE INTERNACIONAL BONHOEFFER Seção Língua Portuguesa Brasil. Autor do livro "A Missão do Cristão no Mundo: O crente sendo sal e luz num mundo corrompido" publicado em 2007 pela KMP Editorial. É professor de História da Teologia e Filosofia da Religião no Seminário Teológico Batista do Sudeste do Brasil em Guarulhos-SP. É pastor da Primeira Igreja Batista no Jardim Jacy em Guarulhos-SP. Integra como aluno pesquisador o Grupo de Pesquisa de História da Filosofia Antiga e Medieval da UNIFESP-Universidade Federal de São Paulo. Sua linha de pesquisa acadêmica concentra-se na História do Pensamento Patrístico e na História da Teologia Contemporânea, atuando principalmente nos seguintes temas: patrística latina, filosofia cristã, filosofia medieval latina, Santo Agostinho, Dietrich Bonhoeffer e Paul Tillich.


[2]BOFF, Leonardo. Quarenta anos da Teologia da Libertação. In: Blog Wordpress de Leonardo Boff, 2011. Disponível em: http://leonardoboff.wordpress.com/2011/08/09/quarenta-anos-da-teologia-da-libertacao/. Acesso em: 25 set. 2011.


[3]Cf. TILLICH, Paul. Perspectivas da Teologia Protestante nos séculos XIX e XX, p. 209.


[4]Idem, ibidem.


[5]BOFF, Leonardo. Quarenta anos da Teologia da Libertação. In: Blog Wordpress de Leonardo Boff, 2011. Disponível em: http://leonardoboff.wordpress.com/2011/08/09/quarenta-anos-da-teologia-da-libertacao/. Acesso em: 25 set. 2011.


BIBLIOGRAFIA


Bíblia de Estudo NVI. Tradução das Notas de Gordon Chown. São Paulo: Vida, 2003.


BOFF, Leonardo. Quarenta anos da Teologia da Libertação. In: Blog Wordpress de Leonardo Boff, 2011. Disponível em: http://leonardoboff.wordpress.com/2011/08/09/quarenta-anos-da-teologia-da-libertacao/. Acesso em: 25 set. 2011.


TILLICH, Paul. Perspectivas da Teologia Protestante nos séculos XIX e XX. Trad. de Jaci Maraschin. São Paulo: ASTE, 1986.